terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Mestrando um RPG Sandbox


Roleplaying Games, os RPGs que jogamos. A ideia do jogo é que seja baseado em interpretação, que um jogador entre no papel de uma persona fictícia que vive num mundo fictício. Para que interpretação seja possível é preciso de um contexto, o contexto ajuda a criar os personagens e os personagens ajudam a criar o contexto.

Normalmente, nos RPGs mais tradicionais, o Mestre pensa numa aventura e num mundo - as vezes são materiais já prontos, as vezes são criados da cabeça do mestre - e esse será o contexto. Agora que temos contexto e personagens o jogo começa.

Diferente de um jogo de vídeo game, não existe um limite do que é e não é possível num RPG. O grupo está limitado a sua criatividade em conjunto e ao que seus personagens são capazes de fazer. Um RPG de mesa é como aqueles jogos em que a mecânica permite tanta experimentação que supera a história. Por maior que seja o roteiro, como tudo é feito ainda é mais importante. Se discute pouco sobre o final e muito sobre o meio.

Atualmente, muitos desenvolvedores de jogos de video games tem tentado permitir maior liberdade aos seus jogadores, daí surgiu o termo Sandbox para jogos como GTA, Skyrim, Legend of Zelda, etc. Jogos que permitem exploração e liberdade de ir aonde querem e quando querem.

Hoje vou propor o caminho contrário. Como podemos fazer com que o RPG de mesa permita um contexto de exploração livre e aberto a história emergente que surge do jogo. Como que os atores - jogadores e mestre - podem agir diferente para que um contexto desse seja possível. Mas também vou quebrar alguns conceitos que fazem algumas pessoas acharem que este é a maneira ideal de jogar RPG.

Vamos lá!



Nos Games

RPGs de mesa, não importa de que tipo sejam, sempre se baseiam em ações dos jogadores e reações de suas ações. Sempre haverá escolha, até mesmo naquelas campanhas mais curtas e planejadas, ou até naquelas aventuras curtas apresentadas em eventos.

Em jogos de video game e computador há um sério limite, é impossível prever todas as ações dos jogadores, mas é possível pensar em algumas maneiras de valorizar a exploração no jogo. Esses dois vídeos abaixo falam de mundos abertos e podem ajudar um mestre em sua campanha.






No RPG

Agora, como fazer um RPG, que já permite liberdade em coisas impossíveis atualmente para jogos de video game, como conversar com e como você quer, usar poderes que excluem limites, ou até, mentir sobre algo que não está na sua ficha?

Primeiro de tudo é compreender as coisas que ainda limitam o RPG de alguma forma e deixam a balança de poder da mesa desigual. Por exemplo, deixe que todas as rolagens sejam abertas e converse com os jogadores sobre os planos da campanha. Deixe que eles digam rumores de aventura, que ditem nomes de NPCs, cidades, etc. Trabalhem em conjunto para construir o mundo, mesmo em cenários prontos é possível fazer isso.

Esses pequenos passos são importantes, o mestre e jogadores devem sempre concordar com o tipo de jogo e deixar tudo o mais transparente possível. Não da para jogar um sistema baseado em progressão de poder, como Tormenta ou D&D e reclamar que os desafios tem ficado cada vez mais difíceis.

Quando se pensa num sandbox deve-se pensar num mundo coeso, ao invés de uma aventura. Pense em regiões e perigos, pense em lugares para explorar e pessoas para conhecer. Pense em NPCs, mas não se apegue, como mestre e jogador, pense em personagens que podem ser mortos e como isso vai influenciar naquele lugar. Deixe que a história surja do jogo, mas não há problema em estabelecer um objetivo principal.

Um jogo só será livre até os jogadores estabelecerem um objetivo. A partir daí haverá a típica preparação do mestre e expectativas e história. No entanto, é importante lembrar que os jogadores precisam querer jogar e agir, precisam ser proativos e criarem suas próprias oportunidades e não terem medo de criarem conflito seja pelo que for.

O mestre deve então trabalhar nas consequências das ações dos jogadores, inclusive das que não tomaram.Um rumor ignorado pode acabar criando um vilão poderoso, ou acabar fortalecendo heróis rivais.

Agora, vamos a algumas dicas mais dedicadas para que você possa se aprofundar melhor neste conceito em sua mesa.

Personagens

Os personagens de um RPG são os seus PJs (Personagens jogadores) e seus NPCs (Personagens do Mestre). É importante que todos tenham o seu destaque proporcional, enquanto os PJ são os personagens principais e dividem o "tempo de tela", os NPCs são os coadjuvantes, aparecem em uma ou algumas cenas ao longo do jogo e devem ter menos dedicação. Mesmo assim, num jogo desse tipo, é bom não se apegar a nenhum deles.

Para NPCs, considere uma dica que tirei do Dungeon World, que você sabe que vão aparecer, tente pensar num Instinto, numa Aptidão e o no seu Nome. O instinto é o que motiva aquele personagem a fazer o que deseja, como um simples fazendeiro que quer juntar dinheiro para viajar. Aptidão é a capacidade daquele fazendeiro de derrubar um touro pelo chifre. O nome é João.

Com o tempo mais detalhes podem ser adicionados, como uma imagem para guiar a descrição dele, um sotaque ou outros NPCs relacionados, como sua família, amigos, rivais, etc.

Quanto aos PJs, cabe aos jogadores dar profundidade aos seus personagens, mas há algo muito importante: os personagens precisam de um motivo claro para andar pelo mundo. Não cabe ao mestre motivar os personagens, os jogadores devem achar sua própria motivação e seguir aquilo que gera curiosidade num cenário como este que estamos criando.

Para facilitar, outros detalhes podem ser relatados, como a posição de marcha de viagem do grupo, quem cuida dos recursos, etc. Em alguns casos, o mestre pode considerar garantir algo aos jogadores para usarem caso acabem numa situação perigosa demais, como Pontos de Ação ou outra forma de mudar a narrativa da cena a favor do jogador. Esse recurso só deve ocorrer de forma deliberada, nada de mentir rolagens!

Outro detalhe que os jogadores podem fazer é conversar com o mestre contanto os seus planos e como imaginam o futuro do personagem e do mundo. Sempre participando da criação do mundo tanto quanto a de seus personagens.

Hexcrawl

Exploração e interpretação andam lado a lado em RPGs. Muitas vezes você vai jogar uma dungeon e pode escolher quais caminhos seguir e até ficar perdido, porém, uma dungeon sempre estará limitada. Não é possível andar em qualquer direção num lugar como este. Por isso, é comum que muitas aventuras e campanhas escolham outra alternativa de exploração o Hexcrawl.

Nesse tipo de exploração, os jogadores recebem um mapa do mundo ou podem criá-lo junto do mestre de jogo. Eles tem um ponto de partida e podem viajar para onde querem, tendo ou não um objetivo em mente. Nesse tipo de mapa, cada hexágono representa um tipo de terreno - o que influencia no tipo de encontro e clima daquela região - e muitos possuem características únicas, como ruínas, cidades, templos, etc.

Nesse tipo de exploração, pode-se viajar para qualquer direção, sem limites impostos por paredes de masmorra. Existe, no entanto, limites geográficos que geram aventuras, como rios ou paredões de montanhas. É preciso lembrar sempre que para acontecer exploração deve haver informação. Duas estradas visualmente idênticas indo em direções diferentes podem ser escolhidas no dado. Agora, quando cada uma possui um nome indicado numa placa, ou tipo de vegetação diferente, ai os jogadores podem deixar a imaginação trabalhar e escolher com um pouco mais de informação aonde desejam ir.

Esse tipo de recurso costuma também envolver manejo de recursos, como comida, água, munição, entre outros. Além de tudo, o próprio mapa pode ser um desses recursos. Ele pode agrupar muitas informações deixadas pelos jogadores, como anotações, e inclusive pode ser perdido ou roubado. Isso por si só gera uma aventura, sem precisar de muita preparação do mestre.

Frentes

Uma maneira de lidar com aventuras de uma forma mais aberta e que considera as escolhas dos jogadores é usando frentes. Uma frente não é exatamente uma aventura, ela é um perigo iminente que ameaça o mundo, algo que caso não seja impedido, poderá causar grandes problemas para todos. Caos, doença, morte, ou até a perda da colheita.

Toda frente tem um nome, de preferência chamativo, porque é sempre legal dar nomes evocativos para o seu mundo. Um Impulso, que é aquilo que motiva aquele perigo. O impulso de um Lich pode ser conhecimento, enquanto a de uma tempestade elemental pode ser destruição.

Além disso, as frentes possuem 3 ou 4 tópicos que representando sua evolução quando são deixadas soltas. As situações que ocorrem quando aquelas forças perigosas não tem antagonistas e seus planos vão dando certo. Elas vão escalonando em perigo e vão representando perigo. Numa campanha com várias frentes em movimento, é sempre interessante para os jogadores priorizar uma ou outra e lidar com as consequências, talvez tenham até que se dividir para lidar com os perigos.

O objetivo de toda Frente é o seu Fim Iminente, o que ocorrerá caso aquele perigo alcance seu objetivo. Pode ser a união de um exército do mal, o surgimento de uma nova ordem mundial, revolução, destruição ou conquista. Outras informações importantes são pequenas descrições da frente e os NPCs que fazem parte da mesma, para dar um exemplo, vou colocar abaixo uma frente de uma campanha que mestrei.

As Armas de Destruição em Massa

Impulso: Fim de toda vida

PRESSÁGIOS TERRÍVEIS
  • Lendas sobre armas de guerra inigualáveis surgem em todo o mundo
  • A Primeira das armas é testada
  • Pânico total
  • Cada mundo recebe sua arma

Desastre Iminente: Guerra e Destruição.


Encontros Aleatórios
tabela que costumo usar nas minhas campanhas
Tabelas de encontros aleatórios podem envolver encontros com monstros ou viajantes, se você quiser ir mais longe, considere até desastres naturais ou situações curiosas. Muitas mesas tem sessões inteiras baseadas em rolagens de encontros aleatórios, mas é importante informar ao mestre aos jogadores que você só deve rolar uma tabela se estiver disposto a usar o valor que ocorreu, se não é melhor usar o encontro que quer de uma vez.

Eu costumo rolar uma chance de encontro de 1 para encontros com monstros, ou 2 para encontros diversos em 1d8 ou 1d10. Então eu rolo mais e mais tabelas, cada uma vai dando informações diferentes que me ajudam a improvisar a cena, alguns mestres não precisam disso, outros vão encontrar algo positivo em ter mais informações para facilitar a improvisação.

Quando seu grupo tiver separado e encontrarem um encontro do tipo, que tal deixar os jogadores fora de cena rolarem o encontro e narrarem o que acontece? Pode ser controlando os monstros, escolhendo o tipo de armadilhas ou interpretando o vendedor que aparece. Caso queira mais tabelas interessantes, clique aqui para saber o que os monstros estão fazendo e aqui para montar uma Dungeon aleatória. Algumas outras postagens antigas podem ser úteis, como essa com características pra NPCs e essa com fichas de NPCs genéricos.

O meu Exemplo

Eu já mestrei uma campanha com a ideia de ser um Sandbox aqui na mesa, eu até postei o diário de campanha aqui. A ideia era dar uma missão principal que dava um tempo para os jogadores concluírem tudo, mas era um pouco folgada, para permitir exploração e desenvolvimento dos personagens e do mundo. Apesar de alguns problemas, o método aberto funcionou e os jogadores enfretaram inimigos além e abaixo de suas capacidades muitas vezes, inclusive ignorando um perigo de forma incrível e correndo na frente de seus antagonistas graças a sua esperteza em mesa.

No momento, eu estou mestrando uma mesa pelo discord. Uma adaptação de Legend of Zelda em que os jogadores tomam o lugar do personagem principal e exploram o mundo do jogo. Seus personagens tem motivos para viajar e explorar, afinal a maioria não tem memórias e fio renascido num mundo em pedaços. Há um objetivo principal que guia e treina os heróis para o perigo, que é destruir o grande vilão e há também valor nos NPCs, que são bem poucos até agora.

Me baseei no conceito de pontos de luz do D&D, num mundo onde há muito mais perigo do que lugares seguros e há mistério e maravilhas em todos os lugares. Não usamos Hexcrawl, mas eu considero muito passar a usar, mesmo assim, usamos mapas das regiões do jogo e os jogadores podem seguir para onde querem, ouvindo rumores dos arredores e escolhendo o que querem ou não ajudar a resolver.

Até agora existem poucas frentes na campanha, mas a cada novo lugar que visitam é possível que uma nova entre e deixe a teia de perigos e relação entre os Atores daquele mundo aumente. Porém, a frente que move a campanha influencia em várias diretamente. A minha ideia foi imitar o jogo e permitir um cenário que os jogadores poderiam até tentar uma speedrun do RPG, podendo ir enfrentar o grande vilão a qualquer momento, só precisam se sentir preparados.

Encontros aleatórios ocorrem com frequência, mas para poder desenvolver um pouco da história, os jogadores podem fazer flashbacks e lembrar de cosias de seus passado, o que envolve o presente de uma forma diferente. Outra forma que venho utilizando é criando santuários e dungeons que podem ser exploradas caso o grupo queira, eles possuem mais de uma entrada e os jogadores podem voltar até eles a qualquer momento para finalizá-los.

Bem, é isso. Espero que tenham gostado da postagem. Muito do que li sobre o tema foi baseado em leituras do blog Pontos de Experiência, além do canal do Youtube que coloquei no início dessa postagem.

Se houver interesse eu começo a postar diários da minha campanha do Discord, deixem seus comentários. Vocês já jogaram campanhas assim? Quais dicas tem para criar a sensação de liberdade em jogo? Ansioso para ler as suas opiniões.

Abraços ou beijos

3 comentários:

  1. Claro que queremos um diário de campanha e ver o desenrolar desta campanha

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  2. Parabéns pelo texto. Estava pesquisando em alguns dos lugares que vc citou, mas não achei nada tão conciso e direto como o teu texto. Me ajudou muito. Valeu!

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